sábado, 24 de setembro de 2011

Sopros e versos invernosos


a rua das céricas
"a grande vantagem de estar vivo
(não para sempre) não é tanto
que a mente aprove ou não
o que o coração sente e a alma toque"
cummings

diante da rua o que resta
é se saber em parto
pairar
espraiar o convívio 

do silêncio.

porque este é um pequenino segredo
através dos dias invernosos
de se saber em transe
e colher ungüentos de cera e azeite
diante da chuva e dos velhos pássaros

ali onde as madrugadas colhem surtos
e quando os arlequins são moradores dos relógios
e quando a ventania é o melhor dos esconderijos

diante da rua o que resta
é se saber em brisas
e calar
escalar o amor

sim,
dos silêncios.

porque se queres segredos
as fórmulas criadas se rendem ao transe
as partículas das seduções
as ciências vãs

vá lá 
as barras de ametista

o amarelo
o vermelho
dos quartzos 

carregas no ombrã
as imperfeições do sol

e no satélite dos quadris
dominas o dia
e os séculos

vá lá
o vale do silício

és a dona das fórmulas 

e diante da rua o que resta
é se saber em grãos
e trilhar
estrilar os poemas 

sim,
dos barulhos.

Um bis separado de Paixão


paixão
um gosto de sangue com jazz e vulgaridades por nem tanto.


Dizer para em crua alma
salientar em bom português
as mesmas ânsias

após o gole
um amanhecer
dos poetas à beira
de uma bala ou de um rio

vive-se o vinho das discórdias
mata-se corpos dados à fúria das auroras
sempre às curras

há um meio
há um gosto

uma ciranda de gestos
um himalaia
um desejo atroz

há um amor dando troças
trocados velhos
e um vento matando querubins

um dizer por dizer
a doces revoluções
de uma língua adentro.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Maranhão, Pernambuco e Bahia


Poema com vinho vivido em São Luís, bebido em Itamaracá e escrito em Salvador. Pequena viagem poética tendo em mente o rosto de dois belos amigos.


outubro ou nada
para joina peta e marcello chalvinsky

à frente tem o verso da capa
o verbo desnorteado
à  revelia dos rostos sem cara

dos mapas
dos automóveis
das matilhas
dos medíocres

à frente o verso cru
mouro e cândido
os teus faróis em marcha

uma menina francesa morre lânguida
e outubro se vai à míngua

e nada ou tudo
já não me seduz

a este verso nosso
dou um mês e todas as línguas
um caju da vez e saias carnudas

faz-me junco e litígio
raiz sem lei

faz-me esfera e colméia
bardo do mal

muda de roupa
mala barata

à frente tem o verbo a socos
refém do oceano e do ocaso

acaso tu falas em baudelaire
ao passo que me passa rimbaud

alimento propício a tuas balas
ao teu pescoço eriçado
ao beijo da amada

aos projéteis perfumados em maltes e mundos
jacks danados de goles algozes em lápis doze

em frente as colunas da sé
em frente a igreja de san jose
em frente ao nada e ao lugar nenhum

à panaquatira!
à rua dos poetas!
à itapuã!

amigo também és cantante
trilho urbano

trem das sete
asa no vagão do meio

novembros fazem parte da tempestade que vem

à frente tem o vértice da alma inconteste que vem
à frente tem o vidro que alicia o corte que vem

novembros querem meu corpo para levá-lo à cruz

dopas os meus escambos
catas os meus escombros

novembro é um mês filha da puta de cara e corrimão

dores suportas em assobios
dados são expostas teus veios
dores são mudas aos números

novembros são sempre novembros sem amor

e a minha paixão suspende a carne pueril à frente dos olhos semicerrados
e a minha delação sem a cor anil dispara o lume dos desejos desalinhados
e a minha danação é todo ato e toda a arte do meu ofício desgovernado

dores suportas
a tv mundana avisa tem liquidação na loja da frente

dores suportas
supermercados pastorinhos agradecem a preferência!

dores supostas ao caos
toma teus cães similares
sibilares em balas ao chão

entre a seta e o que nunca foi alvo
entre a porta e o que nunca foi adeus

em dias que rasgam a nossa cara
que dopam o sol e xeretam a lua

diferentes 
eu sei 
são os dias meus

à espera sem espreitas nossas esporas
ao mundo que me gasta e nos emplastra em caras comuns

dias iguais
injeções

dores iguais
semitons

outubro se vai
ou turbas que vão

à frente tem o verso da capa
o verbo destrambelhado
à revelia das caras dopadas no breu

que esperam alguém para brindar antes que as estrelas morram de inanição.

São Luís/Ilha de Itamaracá/Salvador 2002

O poema-título ao som das rosas do litoral


Sandálias foi escrito em uma madrugada quente e chuvosa no Litoral Norte da Bahia. Ouvindo Cartola, Poema solitário de amanheceres... descalços. 



sandálias
- ou como dizia a mana cristina: “um poema com som”


o poema dos mundos...

em um sonho esquisito
perguntas sobre uma canção

a tudo, bela, o olhar
fotografa um rascunho

do sol dos teus velhos dias
na estrada crua sem assobios

vértice da sanha em curvas dos violoncelos
os meninos azulados pelas luas do arrebalde

entre portas de amanheceres
pontas marcadas e estrelas mortas

atento, bela, o olhar
deixou uma sentença

essas gruas de mim desafinadas
peripécias em linhas abortadas

vida dos galhos quebrados
chuva em desencantos azuis

a tristeza do seu gostar
do teu gozar sem dono

o poeta com vidas em fuga
e tuas sandálias com passos de ausência

“devias vir....”

caminhas louco em noite dessemelhante
és cicatriz no topo das rosas sem amares

marca teu ponto camuflado
no pequeno labirinto de pérolas

fala doce
comigo....
fala comigo
doce como
a chuva

o espelho azul achado das mãos que se soltam sem tardes devolutas
um menino com teu sorriso de vidro e grimas nas manhãs deserdadas

à janela
uma canção
e todo adeus

afeto diante das perdas
a delicadezas dos punhais

à janela
o céu de olhos baços
as comunhões sem nós

encostas teu rosto às facas gélidas
e ronda a carne macia dos segredos

ao tato, bela, os olhos
roubam dedos e dados

decepam luas de dentro
no instinto dos afagos

adeus bandido que vem desassossego
adeus não traz nenhum recado

adeus de vícios
ventos dezembros
menino caçula do desejo

atávico, bela, o olhar duvida
ao alcance apenas
ao enlace apenas de acordar

e fazer para ti um poema com som
pra tocar no rádio da tua invenção.



domingo, 18 de setembro de 2011

Mais uma crônica encontrada na velha mochila


O mestre e as vitrines
Antonio Pastori

Certa vez, em uma rua de Salvador, lá estava ele  a olhar vitrines. Fazia isto todas as tardes. A banquinha de revistas, um papo com o jornaleiro, o cafezinho com beiju na padaria e depois.... as vitrines. A preferência era a livraria mais próxima onde ficaria até o sol se pôr. Esguio, longa barba branca, bengala de carvalho reluzente, o velho professor caminhava com dificuldade, passos calculados por entre uma multidão indiferente (multidão não calculada, fazer o quê com a hora do rush?). Mas era tudo feito com muita elegância. A bengala, adornada com madrepérola e prata, bailava feito um grande pêndulo nas suas passadas A mão arrumava os cabelos ao passo que aqueles olhos verdes definiam onde a bengala cortaria caminho. Eram de um verde aguado contrapondo a cor ao brilho de vida que irradiavam. Um aluno espirituoso disse, certa feita, que os velhos olhos do professor tinham deixado toda a matiz nas páginas de livros lidos.

E não foram poucos.

Lá estava ele com mais um, tentando chegar à livraria. A multidão não deixava frestas para conferir o título. O professor se não carregava-o embaixo do braço, deixava-o escorrer até a mão em intervalos matemáticos.

Um grupo de alunos se reunia na praça para acompanhar a sua rotina. Sempre o velhinho carregava um livro até a livraria. Apostava-se em Twain, em Machado, em Neruda, em Pound. Apostava-se mesmo. Em dias passados o sabido mestre, percebendo a diversão dos aprendizes, chegou a repetir a mesma obra em edições com capas diferentes. Ganhou o Alfredo que conhecia a obra de Garcia Lorca como ninguém e citou uma a uma as várias publicações de Romancero Gitano bailando naquelas velhas mãos pela multidão.

Um murmúrio dos colegas chamou a atenção. Estava difícil dessa vez. Nem Alfredo arriscava. Quando pressionado fez pose, franziu o cenho, mas as palavras não saíram. Crime e Castigo, gritou um dos meninos sem a menor preocupação. O olhar cheio de descaso dos outros o fez corar. Todos sabiam que Dostoievski não era o preferido do velho mestre. Sombrio demais para aqueles olhos cheios de vida. Talvez Kafka. Mas o que ainda não teria lido e relido do escritor tcheco? O professor já se aproximava da livraria. Os olhos curiosos puderam confirmar a cor da capa: azul. Um livro azul de letras escuras.

Uma certeza: era uma edição nova. A lógica foi listar os últimos clássicos reeditados. Poderia ser também algum lançamento. Não acreditavam na possibilidade.

Os passos lentos, mais firmes conduziram ao destino. A última chance dos meninos foi no momento em que empurrou a porta. Doze Contos Peregrinos, é esse!  Alfredo afirmou convicto. Esperaram que o mestre saísse para conferir com o balconista. Desta vez demorou mais que o normal. Já pensavam em desistir. Alguém notou que ele já se dirigia a saída. Não, ainda não ia sair. Acompanhado de um dos funcionários da livraria caminhou vagarosamente até a vitrine. O funcionário abriu espaço entre Jorge Amado e João Ubaldo e colocou o livro azul. Não esperaram que o professor se distanciasse. Correram até a vitrine e puderam comprovar que Alfredo desta vez errara. Ele próprio leu em voz alta e pausadamente: Os curiosos aprendizes da praça.
Num imenso alvoroço invadiram a livraria atrás da história dos eternos palpites de fim de tarde daqueles jovens leitores curiosos. Alfredo, com um sorriso desconcertado, ficou a observar o velho mestre alcançar a esquina, com seus passos difíceis, mas calculados. A bengala de madrepérola foi a última sumir com seu balanço. Como um velho pêndulo.      
                                                                             
Com a colaboração imprescindível de Cristina Mascarenhas, a maninha.

Salvador,  junho de 1998

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Depois de ler um jovem poeta



Estrelas no fim da primavera

Pro Teco

Você pode achar estranho, mas aprecio a sua transformação.  Verve não falta para novas linhas. Acidez e crítica, muito menos.

Há muito não escrevo para alguém. Há muito não sinto as combustões espontâneas que me assaltavam em tantas horas do dia. E saíam coisas estranhas, carregadas de cores sem método. Asas impolutas  Pedra falava.

Teu texto me fez ter vontade de escrever e ouvir.

Confabular com meus fantasmas éticos, dialogar com velhos poetas, lembrar de alguém que me chamava de Pastorio e olhar bem fundo para a rua calada, impassível. Inadmissível para as sextas feias dessa cidade.

Sim porque existem sextas bonitas para aqueles que conversam sem pressa e sem culpa.

Aqueles que não precisam ser pai e filho para se transmutarem em cumplicidade.

E se são, existem cestas.

Vamos caçar estrelas?

Salvador, 26 de novembro de 2010

sábado, 10 de setembro de 2011

Pela vida a fora


Tesão

O perfume daquele umbigo 
vem do fundo 
de um bom ouvido

São Paulo, 1990





Eros
Quando tu começas
A pedir
Eu já estou a repetir
Que no amor e na paixão
Não se tem repetição

Assim é só você deixar
Emergir o teu avesso
Para em sol se palpitar
Um novo começo

Cadê? Um velho artigo novinho, novinho


Cadê a batida, velho?

Antonio Pastori

Odeio escrever sobre assuntos em extinção. O último texto foi sobre a ararinha azul e deu no que deu. Até hoje aquela estória de cruzamentos e contrabandos não engoli nem a pau. Mas diante desse convite da Província lá pelos idos não me pergunte quando, tive que abrir mão da promessa. Pela longevidade da boemia e em defesa da cultura etílica lá vai: cadê a batida, velho?


Sim. A velha batida, marca registrada de festas, carnás, forrobodós e bazófias dessa Bahia, está com seus dias contados. Alguém tinha que bradar isso um dia. Vê se pode. Já não se encontram mais batidas nas galhofas citadas acima e também nas praias, nos hotéis, botecos, enfim, nas mãos de gringos ou clandestinos. Baianos autênticos ou adulterados. O culto às roskas dominou as bocas e a batida bateu biela na roda do tempo.  


A fruta misturada com cachaça, batidas no liquidificador. Aqueles copos multicoloridos em diversos sabores. Engarrafadas com rolha de nó de cana. Elas ganhavam o mundo em carros recheados de meninos e meninas cheios de boas ou más intenções. Trafegavam no único ato que cultiva tanto a solidão como o encontro.


Batida de limão, de coco, tamarindo, caju, maracujá (as mais famosas). Mas tinha sofisticações tropicais como sapoti, abiu e cupuaçu. Umazinha com canela, outra com leite condensado. Aquela que levava mel. Mas todas, eu disse todas, tinham a  fruta e a azuladinha de combustível. Combinação irresistível que marcou época? Nada! Esse negócio de marcar época é a maior furada. Fulano marcou época na MPB... Se você quiser enterrar um sujeito, um estilo ou qualquer caldo cultural fala isso e marque missa.


A batida seduz. Basta fazer. E quem fazia bem feito, enchia qualquer biboca. Diolino era a personificação da batida. Seu ponto no Rio Vermelho era pré, pós ou a própria farra.


Quem há de negar a sexta da escapada? Namoro no portão, aquele zero a zero que muita gente tem saudade? Mas era só de sábado à quinta. Sexta-feira, mocinhos do século XXI, era sem lei. Gatos e gatas circulavam pelo Rio Vermelho. O epicentro era Diolino. Elas chegavam de mansinho, em grupo, cabelos ao vento. Eles, a postos, batidas em punho. Futebol na pauta. Batiam um Ba-Vi legal. Butice, Douglas, Natal...Osni, André e Mário Sérgio. Batidas de limão e piadas infames. De coco e azaração. De maracujá e papo cabeça. Ou o famoso leite de camelo, de receita misteriosa, que acalmava mocinhas segurando vela.


O cantinho foi evoluindo. Diolino, ponto de encontro. A batida: o motivo, a desculpa ou o zig now. Garrafas e garrafas eram compradas. Gatos e gatas invadiam o Abaeté, o Jardim de Alah, as praias desertas da orla. No tempo em que invadir a praia à noite não era sinônimo de bandeira otária para aquela galerinha levar até as suas calças. Ao som dos brindes das batidas e zunzunzuns mis, serenatas rolavam. 


O poetinha Vinícius de Moraes chamava o whisky de “cão engarrafado”. Vinícius curtia essas baladas. Participou de muitas serenatas. Trocava o whisky pelas batidas. Bebeu muitas delas do seu reduto perto do farol ao bairro da Graça onde compôs “Tarde em Itapoã”.


Porto da Barra, década de 70. Final de tarde. As barraquinhas na areia vendiam batida a rodo.  Lenny Dale, do Dzi Croquetes, Caetano Veloso, sunga rosa e bata branca. Não consta nos arquivos que Caetano degustava. Mas o Lenny adorava a de pitanga.
Pierre Verger. Ia sempre ao Diolino. Fatumbi só tomava de coco. Ele era o apreciador de gosto unitário e degustação perfeita.


É curioso este paralelo com a figura de Verger. Suas fotos do universo pesqueiro. Dos transeuntes baianos. Dos orixás. Dos costumes afro. Sua negritude da alma.
A batida, apesar de ter surgido no final do século XIX, no interior de São Paulo, está colada na história à negritude. Ao samba de roda. Batida de palma. Música do mundo.

As festas baianas tinham sua bebida oficial. Uma identidade bacana que modismos efêmeros sugaram. Meteram a mão e quebraram a guia sem pedir agô. Sacanagem. Ou como diz um velho amigo que não conehcia batidas: é o "medíocre na mediocridade".


A cultura etílica é uma necessidade. Cada povo tem a sua. Tá na cara e na boca. Se alguém pensou aí em vinho italiano, congnac francês, scotch britânico, nada disso é requinte e sim identidade cultural. Mas eu vou é para a Ypióca cearense, o Pitu pernambucano, a Meia Lua mineira, a Abaíra da Chapada. Não a Abaíra branquinha, mas aquela misturada com cascas de madeira da boa que dá uma coloração ímpar e um aroma sedutor.


É o velho segredo de leis boêmias dos nossos antepassados: não adianta beber, tem que degustar. Bebida boa evoca todos os sentidos, tá falado? A boa batida era assim. Cheiro, toque, mira e som entorpeciam o ser humano antes da virada.


O poetinha, mestre Verger, Dorival, Jorge Amado eram amantes especiais da bebida mais democrática dessas bandas. Que ela está em extinção, como alertei no início, só mala e bebedor de canudo não vê. Não estou a fim daquele discurso barato de “resgatar” (sic ou argh!, escolham...) a velha batida de encanto e sabores. Do jeito que a coisa vai por aqui, isso só vai dar em cópia fria e arte não é feita de reproduções.


Um líquido decente para esta província!

Essas bebidas mascaradas pelo gelo, enganadoras à língua, um falso prazer.


Fico com a verdade das batidas e seu estado de frutas. Um brinde a Diolino, Evoé Fatumbi!



sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Amanheceu no Brooklin


ouvindo christovan
andré e teu cão  (o que eles produziram, cara!)

azuleja teu mundo igual

na tv só vão restar idéias imbecis

doces são os mistérios que restam
e o mundo igual tropeça na manhã 
na manhã daquele rosto insone

e devagar me instalo
entre os dentes e a língua

o beijo mimetiza
o beijo arvora meu blues.

Tontos dias invernosos


meia noite e quinze

relâmpagos
vidro e chuva
acasalam e aprisionam
mãos na última janela
e a velhos olhos formigam
um adeus entre os prédios

Olhos crus



solidão no paralelo 49

o que há então
senão os livros expostos
e do que valem as páginas?

os bichos esgueiram
inventam caminhos aos esconderijos

o que há então
senão um rosto entregue
e do que valem as rugas?

a tinta envelhece
as paredes racham
e inventam caminhos onde o mato cresce

o que há então?
senões.

Cancionero da tarde sem fim


ALDEIA 
Para mano ivon e a comuna de santo antonio

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim  tão desigual
Caetano

berra,
recôncavo das aldeias!


berra pelo rio
pelas ribeiras

os lampejos
os quebrantos
jejes dizeres

berra
berra nas barras
berra aldeia


no que beijo
no que chego 
às ilhas

ao prazer dos quereres

queria saber de marcello e de todas as tempestades
são luís é trava de cajús em panaquatira
é joina peta a bailar na jansen entre isqueiros 
é tua aldeia serpente entre litanias

à sombra dos avarandados bem perto dos precipícios 
porque as visões aos olhos de guapira perpetuam os saltos
da estrada de rio ao caminho de antonios

piscinas de barro anéis de sorriso 
canções de esquerda e de asfalto
sons de silêncios gris
na árvore dos pássaros semi azuis

queria vinho chileno (de novo!)
beiju (do pontal!) 
e café amargo (de minas!)

falar de che fidel camilo e sandino
acreditar na américa como destino
e desatino
meu sul é meu norte
bússola dos povos
ilha de todos

queria um andar liberto
o olhar direto de mari go
o sorrir das asas de carol


o falar do ivon
algodão ao vento
setembros

a sensação absoluta de estar onde quiser
e só aquele olhar na música
ou a música daquele olhar  
um bem querer

as paciências de luís
os poemas secretos de inês
as batas sábias de sandra 

queria
senhora dona
como queria

água salobra
vem dar na maresia

cheiro de verso
amuleto
feito de troços
versos e boinas

na canoa o vai e vem
de sumos e injuras

querer solares abaixo dos paralelos
querer luares e debruçar nos parapeitos
querer o parto dos lábios na pretensão dos poemas
antever os ritos sânscritos na arrogância das homilias

dourar louvar poder
burlar uivar morder

água bandida
vem dar na maresia
e me leva me leva de onda

porque teu beijo é teu beijo e se perfuma
a enseada dos jardins suspensos
frutifica esperanças nas cantigas de roda

cultiva amanheceres nas pegadas da lama
desenhos feitos de chuva no finzinho das tardes de abril

berra em batismos
berra pelas ribeiras
meu recôncavo

no caminho de antonios

a minha
a minha aldeia
a minha aldeia é o mundo.

na estrada, 2009/2011