domingo, 26 de janeiro de 2014

Cachoeira & Havana





NA RADIOLA LÁ DO QUARTO


“que voy hacer je ne sais pas”


é mundo na américa não dê acasos à lua do sexo 
manchas amanhecidas são arte seca dos frêmitos 

vem da mistura de sal e azeite em ti derramados
na saliva e suor dopando o cheiro dos unguentos

cálido lume da catação de espelhos em solos rios
é bis ou o xis baby, um velho blues de alma cheia
é quieta, tão nefasta a destrambelhada questão

no que é fundo em tantra ou hiato
interferência inocência & asfalto

chame, pois é! dispare, qual é! na mesma estação
devolva o meu caleidoscópio antes das medialunas

porque sempre na radiola lá do quarto
sempre na inquietude dos becos
vai nascer a intrometida canção

e a poesia é uma casa muda de gente à farsa dos olhares imbelos  
e a poesia é o vácuo o vinco a vulva no tampo do tempo mal assombrado

então solta a bala mancomunada, 
é meia noite em ponto no paço da velha cachoeira 
que voy hacer mi gustas nada? 
ahora son diez de la noche en la calle de los niños

y todos los refugios de mi revolución
e tolos são os versos rolados sem treta 

porque sempre na radiola lá do quarto
vão expulsar sem rumo a mesma canção

são quatro horas em ponto no pouso da palavra
ahora son dos de la tarde en vieja bodeguita

anjo vício, lince, andorinha de voo avesso 
tão cedo para deixar-me ir, fábula pequenita  

mantra na fala cora prohibida
cela das vertigens e labaredas  

soy mi destino en bala tu me estas 
y sí mi voy en la tarde, tu te calas

no tiene nada mi mañana
és mentira e fruta de vez 

me diga só onde ir?
que voy hacer?
je ne sais pas.

na radiola lá do quarto
sem paz nem súplica
aprumo estar onde não sou
arrimo ser onde não sei.


janeiro, 2014  
arte: Jim Cox

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

De janelas, chuvas e teimosias






A velha canção da chuva

(dedilhos em Kathy's Song) 


a canção.

a mesma enquanto a chuva se espalha  
com a certeza que só baila e só se vai

em doce e amarga teimosa
a roçar a janela e as cercas

das velhas notas grimam os seus rostos
vêm pelas frestas dos meus dedos sujos

e eu procuro para além da estrada encharcada
para a aldeia ou o rio onde meu coração se foi

do meu silêncio disperso e dado a tristezas não tocamos  
minhas memórias são milhas de tantas veredas do antes
tantas ilhas distantes enquanto você dorme no seu ninho 
e te acariciam quando você brinca de acordar e não sorrir

é como a velha canção enquanto pingos aquarelam
a que arriscava escrever e sumir naquelas frestas

eu não sei porque ainda insisto com essas coisas
a desenhar os versos se dou as costas e corto a asa
é por não querer mais aceitar de maneira alguma 
as grimas tensas, rasgadas, levadas pela enxurrada

e assim você vai e eu teimo em te esperar
por acreditar no que sigo como fé e escolha 
e só é apenas a rima sem crença
a única casa que dedilho é você

é como acolher o linho dos temporais
tecer o rabisco dos labirintos, deixar ir
pois sei apenas que assim persistirei
pela mesma certeza de me saber chuva também.

Janeiro, 14
Arte: Leonid Afremov

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Das adegas & degustações




Bouquet absoluto
 

(O vinho na tua boca) 

o malbec na tua boca

seria soma, sumo e saque


seria ataque 



seria tato de paixão



sem trincos

nem portas

seria evolução 



nem zen que não trem, baby



no balé das ancas líquidas 

entre a canela e a madeira



vinho não tem pose nem receita

mas importa com quem ele se deita



seria olho no olho 

respiros língua 

ato ao final gosto 



seria rio & rastro 

arrimo & rima.



tocas? miras? cheiras?



só o malbec na tua boca

seria saque sumo e soma



corpo de veludo

pós mais que tudo


cepa vermelha 

inchada e tinta



todo malbec na tua boca
coaria mais noite e manhã 

ao sabor das manchas
do que mais adivinhas.


janeiro, 2014

Arte: Elisabeta Roga


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Aldeia & Ilha





A CARTA DAS JANELAS DE UM JANEIRO SEM FIM

(ao poeta Marcello Chalvinski)

Ouvindo Washing on the Water


amigo amigo
coração quando é maço amassado
queda outonos nos teus beirais

e borboletas são acasos
janela nunca se fecha

nunca se fecha a janela.
é ninho de predileção dos pousos.
para garças e temporais

para outubros ou nada
até para essa folha inerte gestada parida daquele outono

e o coração é só um coração
bomba encarnada aos tambores
massa bolada de carne em lisergias
o jardim abandonado em casarões

tornei-me também amigo
refém de cinzéis e martelos
escultor de sombras e de adeus

escravo eu sei
dos versos meus

mas
andarilho dos navios de ferrugens secretas
e da água que sangra aos passos inquietos
 
antes que a última garça atravesse o velho céu dos novembros
antes que o rio vermelho e praia grande beijem a bocabrasa das litanias

domaremos a dança do fogo
bailaremos nas cinzas de jornais e folhetins
e também mijaremos na fogueira das vaidades.

amigo amigo
estou triste entre tochas semiacesas na mesma praia dos gritos azuis
estou triste nas ranhuras do ocaso entre o amarelo e o vermelho

coração em nacos
pulso & nitro
cais & gasolina

e o amor é um jardineiro errante entre a traição das semeaduras e a morte da flor
e o amor é só a cercania que se gasta na imprecisão de inquietos respiros
o amor é sim o maço amassado do que sobra ao espírito entre lábio & músculo 

ao chão
e ao céu,
ao temporal
atemporal.

é também novembro ou never
meu poetapoema de panaquatira

e dentro do dentro de um poema dilacerado
e dentro do dentro das semiluzes bulinadas
e dentro do dentro do barro do cigarro do escarro

o acaso é a esfinge  

e eles insanos são
e nós sem nós não somos.

e rangem
e manjam
e fungam
e rasgam

lacram as janelas.

é o fim da estrada dos loucos peregrinos
é o ocaso do janeiro por ele não mais morrer

colherei pedras?
gritarei por auroras?
ou beijarei também a lady vestal?

onde estão os infectos?
em homilias fajutas?
em bulas moribundas?
em manuais de sobrevivência?

correm como hienas sem cara
ou nos abraçam como múmias
e o riso pobre é só e congelado 

amigo amigo
agarro o manto dos incêndios
somos apenas apanhadores de sonhos
como escrevi ao filho tão filho certo dia:

porque tolos são aqueles que não enxergam
a bagunça verdadeira da invenção dos dias
no descompasso dos corações
no descontínuo das respirações
na inconclusão de tintas
no desafino sublime
de nós e de tantos nós

tolos são aqueles que desistem
por uma negação idiota
uma inveja velhaca
um grafite dando uma de diamante

em semeaduras do tempo companheiro
na certeza de pele, do cheiro e da alma

porque sim
se somos apanhadores de sonhos
somos também artesãos das liberdades concretas

amigo
o aperto é nó
nesta bola de carne
dentro do dentro

do que dele se traz e leva
dos beirais & profundezas

deixo a carta
deste janeiro sem fim
e um balé de garrafas

e que só o rio das aldeias solares amanhe a morte das velhas borboletas.


20 de janeiro 14
arte: angelus (salvador dali, 1933)

Aldeia & Ilha





A CARTA DAS JANELAS DE UM JANEIRO SEM FIM

(ao poeta Marcello Chalvinski)

Ouvindo Washing on the Water


amigo amigo
coração quando é maço amassado
queda outonos nos teus beirais

e borboletas são acasos
janela nunca se fecha

nunca se fecha a janela.
é ninho de predileção dos pousos.
para garças e temporais

para outubros ou nada
até para essa folha inerte gestada parida daquele outono

e o coração é só um coração
bomba encarnada aos tambores
massa bolada de carne em lisergias
o jardim abandonado em casarões

tornei-me também amigo
refém de cinzéis e martelos
escultor de sombras e de adeus

escravo eu sei
dos versos meus

mas
andarilho dos navios de ferrugens secretas
e da água que sangra aos passos inquietos
 
antes que a última garça atravesse o velho céu dos novembros
antes que o rio vermelho e praia grande beijem a bocabrasa das litanias

domaremos a dança do fogo
bailaremos nas cinzas de jornais e folhetins
e também mijaremos na fogueira das vaidades.

amigo amigo
estou triste entre tochas semiacesas na mesma praia dos gritos azuis
estou triste nas ranhuras do ocaso entre o amarelo e o vermelho

coração em nacos
pulso & nitro
cais & gasolina

e o amor é um jardineiro errante entre a traição das semeaduras e a morte da flor
e o amor é só a cercania que se gasta na imprecisão de inquietos respiros
o amor é sim o maço amassado do que sobra ao espírito entre lábio & músculo 

ao chão
e ao céu,
ao temporal
atemporal.

é também novembro ou never
meu poetapoema de panaquatira

e dentro do dentro de um poema dilacerado
e dentro do dentro das semiluzes bulinadas
e dentro do dentro do barro do cigarro do escarro

o acaso é a esfinge  

e eles insanos são
e nós sem nós não somos.

e rangem
e manjam
e fungam
e rasgam

lacram as janelas.

é o fim da estrada dos loucos peregrinos
é o ocaso do janeiro por ele não mais morrer

colherei pedras?
gritarei por auroras?
ou beijarei também a lady vestal?

onde estão os infectos?
em homilias fajutas?
em bulas moribundas?
em manuais de sobrevivência?

correm como hienas sem cara
ou nos abraçam como múmias
e o riso pobre é só e congelado 

amigo amigo
agarro o manto dos incêndios
somos apenas apanhadores de sonhos
como escrevi ao filho tão filho certo dia:

porque tolos são aqueles que não enxergam
a bagunça verdadeira da invenção dos dias
no descompasso dos corações
no descontínuo das respirações
na inconclusão de tintas
no desafino sublime
de nós e de tantos nós

tolos são aqueles que desistem
por uma negação idiota
uma inveja velhaca
um grafite dando uma de diamante

em semeaduras do tempo companheiro
na certeza de pele, do cheiro e da alma

porque sim
se somos apanhadores de sonhos
somos também artesãos das liberdades concretas

amigo
o aperto é nó
nesta bola de carne
dentro do dentro

do que dele se traz e leva
dos beirais & profundezas

deixo a carta
deste janeiro sem fim
e um balé de garrafas

e que só o rio das aldeias solares amanhe a morte das velhas borboletas.


20 de janeiro 14
arte: angelus (salvador dali, 1933)