sob o olhar de saramago
olhei o modo
de andar altiva
pelo cimento
plena e senhora
dos mares em terra
das elegâncias
garça
ofegante dorso
as mandíbulas tensas
o suor na anca
com passos crivados na calmaria
ato executor de uma doida alma
jurei não dizer
uma única palavra
uma jura sequer
do que desejava
olhei meus pés
e segui aos olhos frios
dos gatos que me olhavam
não queimei cigarros
rocei a traição dos mundos
valsa de adeus e de morte
para aqueles olhos pequeninos
que me deixavam.
e eu marco pontos escuros entre as estrelas
e eu amanso o sobrevôo das cotovias
chacoalho guizos
aturo números em ponteiros
afugento os gatos
e você adentra em pautas noturnas
com o gosto de café da minha boca
com a tristeza dos olhos sem cara.
a garota do adeus
observações depois de uma conversa sem fim
assim que a tarde vir
em minúsculos saltos de nuvens daninhas
e deixar o tácito fulgor em raios desnudos
aquele espectro ganha o horizonte
espadular adunco incólume
o cigarro entre dedos trêmulos
a cadenciar as imaginárias setas
pernas no vai e vem
limites ambíguos de solidão
assim que os jardins deixarem de lado as maledicências do
dia
e ganharem contornos impróprios a aceitar da noite os seus
a inconclusão de gestos poda o contorno dos pássaros
garça
arguta
mercúria
o cigarro a aceitar o bico do salto fino
a incrustar no asfalto tragos de culpas
e mãos no entra e sai
território livre para a sofreguidão
assim que a noite chegar
plena rainha de fartos mênstruos
aquela corrida desenfreada assusta os restos
de gente e passarinhos nos gradis do parque
a capitular o adeus
única
a guimba morta
o salto fino
e em contra luz ao fundo
o vulto a domar uma imperfeita lágrima.
sem adornos.
inverno, 2005