Cadê
a batida, velho?
Antonio Pastori
Odeio escrever sobre
assuntos em extinção. O último texto foi sobre a ararinha azul e deu no que
deu. Até hoje aquela estória de cruzamentos e contrabandos não engoli nem a
pau. Mas diante desse convite da Província lá pelos idos não me pergunte quando, tive que abrir mão da promessa.
Pela longevidade da boemia e em defesa da cultura etílica lá vai: cadê a
batida, velho?
Sim. A velha batida, marca
registrada de festas, carnás, forrobodós e bazófias dessa Bahia, está com seus
dias contados. Alguém tinha que bradar isso um dia. Vê se pode. Já não se
encontram mais batidas nas galhofas citadas acima e também nas praias, nos
hotéis, botecos, enfim, nas mãos de gringos ou clandestinos. Baianos autênticos
ou adulterados. O culto às roskas dominou as bocas e a batida bateu biela na
roda do tempo.
A fruta misturada com
cachaça, batidas no liquidificador. Aqueles copos multicoloridos em diversos
sabores. Engarrafadas com rolha de nó de cana. Elas ganhavam o mundo em carros
recheados de meninos e meninas cheios de boas ou más intenções. Trafegavam no
único ato que cultiva tanto a solidão como o encontro.
Batida de limão, de coco,
tamarindo, caju, maracujá (as mais famosas). Mas tinha sofisticações tropicais
como sapoti, abiu e cupuaçu. Umazinha com canela, outra com leite condensado.
Aquela que levava mel. Mas todas, eu disse todas, tinham a fruta e a azuladinha de combustível.
Combinação irresistível que marcou época? Nada! Esse negócio de marcar época é
a maior furada. Fulano marcou época na MPB... Se você quiser enterrar um
sujeito, um estilo ou qualquer caldo cultural fala isso e marque missa.
A batida seduz. Basta fazer.
E quem fazia bem feito, enchia qualquer biboca. Diolino era a personificação
da batida. Seu ponto no Rio Vermelho era pré, pós ou a própria farra.
Quem há de negar a sexta da
escapada? Namoro no portão, aquele zero a zero que muita gente tem saudade? Mas
era só de sábado à quinta. Sexta-feira, mocinhos do século XXI, era sem lei.
Gatos e gatas circulavam pelo Rio Vermelho. O epicentro era Diolino. Elas
chegavam de mansinho, em grupo, cabelos ao vento. Eles, a postos, batidas em
punho. Futebol na pauta. Batiam um Ba-Vi legal. Butice, Douglas, Natal...Osni,
André e Mário Sérgio. Batidas de limão e piadas infames. De coco e azaração. De
maracujá e papo cabeça. Ou o famoso leite de camelo, de receita misteriosa, que
acalmava mocinhas segurando vela.
O cantinho foi evoluindo.
Diolino, ponto de encontro. A batida: o motivo, a desculpa ou o zig now.
Garrafas e garrafas eram compradas. Gatos e gatas invadiam o Abaeté, o Jardim
de Alah, as praias desertas da orla. No tempo em que invadir a praia à noite
não era sinônimo de bandeira otária para aquela galerinha levar até as suas
calças. Ao som dos brindes das batidas e zunzunzuns mis, serenatas rolavam.
O poetinha Vinícius de
Moraes chamava o whisky de “cão engarrafado”. Vinícius curtia essas baladas.
Participou de muitas serenatas. Trocava o whisky pelas batidas. Bebeu muitas
delas do seu reduto perto do farol ao bairro da Graça onde compôs “Tarde em
Itapoã”.
Porto da Barra, década de
70. Final de tarde. As barraquinhas na areia vendiam batida a rodo. Lenny Dale, do Dzi Croquetes, Caetano
Veloso, sunga rosa e bata branca. Não consta nos arquivos que Caetano degustava.
Mas o Lenny adorava a de pitanga.
Pierre Verger. Ia sempre ao
Diolino. Fatumbi só tomava de coco. Ele era o apreciador de gosto unitário e
degustação perfeita.
É curioso este paralelo com
a figura de Verger. Suas fotos do universo pesqueiro. Dos transeuntes baianos.
Dos orixás. Dos costumes afro. Sua negritude da alma.
A batida, apesar de ter
surgido no final do século XIX, no interior de São Paulo, está colada na
história à negritude. Ao samba de roda. Batida de palma. Música do mundo.
As festas baianas tinham sua
bebida oficial. Uma identidade bacana que modismos efêmeros sugaram. Meteram a
mão e quebraram a guia sem pedir agô. Sacanagem. Ou como diz um velho amigo que não conehcia batidas: é o "medíocre na mediocridade".
A cultura etílica é uma
necessidade. Cada povo tem a sua. Tá na cara e na boca. Se alguém pensou aí em
vinho italiano, congnac francês, scotch britânico, nada disso é requinte e sim
identidade cultural. Mas eu vou é para a Ypióca cearense, o Pitu pernambucano,
a Meia Lua mineira, a Abaíra da Chapada. Não a Abaíra branquinha, mas aquela
misturada com cascas de madeira da boa que dá uma coloração ímpar e um aroma sedutor.
É o velho segredo de leis
boêmias dos nossos antepassados: não adianta beber, tem que degustar. Bebida
boa evoca todos os sentidos, tá falado? A boa batida era assim. Cheiro, toque,
mira e som entorpeciam o ser humano antes da virada.
O poetinha, mestre Verger,
Dorival, Jorge Amado eram amantes especiais da bebida mais democrática dessas
bandas. Que ela está em extinção, como alertei no início, só mala e bebedor de
canudo não vê. Não estou a fim daquele discurso barato de “resgatar” (sic ou argh!, escolham...) a
velha batida de encanto e sabores. Do jeito que a coisa vai por aqui, isso só
vai dar em cópia fria e arte não é feita de reproduções.
Um líquido decente para esta
província!
Essas bebidas mascaradas
pelo gelo, enganadoras à língua, um falso prazer.
Fico com a verdade das
batidas e seu estado de frutas. Um brinde a Diolino, Evoé Fatumbi!