quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A lida dos ímpares





PARA AMANHÃ III 

(Por um velho dia de blues)

Ouvindo Dimming of the Day

Aos parceiros de música e versos Marcelo Chalvinski, Ricardo Tosto, Ivon Albuquerque e Eduardo Alves


quero a velha casa dos versos ao redor de meus ouvidos
e o rio nada mais que o rio que sempre mora em um abraço

acenar aos pares a lida dos ímpares
seguir ao tempo do espanto dos jardins 

porque flores nascem de afetos
sorriso se semeia em pé de nuvem

quero canções de espera, o desejo de estradas como pano de fundo
e o sol nada mais que o sol na imprecisão entre o laranja e o amarelo

quero promessa de encontros no vazio dos silêncios sem tinta nos rostos
e os segundos inventados pelos grilos antes do que se mata no entardecer
   
gilmour imerso na vitrola em dimming of the day
o sol nada mais que o sol de linda onde for e o que serei

a ponta dos lábios que desenham antes do beijo
o adeus suspenso que existe na ponta dos dedos

quero só a fidelidade das velhas garças que se vão
e a melancholia inquieta de Hart em solos de Joe

o amor malcriado das paixões
um concerto de pirilampos & violinos

o que há de mais incerto no mistério de um olhar distante
o cheiro da chuva antes dos cajus bailarem loucos de vesguras

queria assim sem meio a meio
o meio fio sim molhado no limo
mas por caprichozinho do senhor destino...

pimpa, escorrego!

lá se foi o poetinha de cara pro chão
não tinha corrimão nem citação de rodapé

não deu pé

espatifou certezas
esparramou os símbolos
esculhambou as tintas

e lá se foi a tal da beleza plantar feiúra na cara do menino
e o que era brasa borrou cinza na imprecisão dos amarelos

onde foi azul? meu azul, a cor mais quente
azul meu azul, ali me leia a cria das cores 
   
são os anos, os versos, o livro, ontem e amanhã

por rumar em sinfonias acreditar em vínculos
por doar verdades aos mantras e teus acasos
por alinhar gentilezas, assinar de boa e dar fé.
    
porque os dias frios são dias
e óbvios seguem e morrem

- ah! não!, dizem os párias inocentes sob intro alcance 
- eles vivem de encontros fortuitos e ânsias de lonjuras
óbvios são os passarinhos que surfam em pelo de lince

- “e eu estou vivendo pela noite que roubamos
preciso de você no escurecer do dia
preciso de você no escurecer do dia”

e é por isso 
tão simples entre as batas e o mesmo jeans     
quanto tu és para sempre dona do meu blues

eu quero um dia pela sanha de liberdade  
só gritar nos beirais de iletrados pulmões

as canções de tracy em dados marcados ao bom peso
por saber que a saudade sempre fica na primeira fila

o tear das formigas em equilíbrio nas longarinas
estrelas sem pontas, espreguiço em cancela, moviolas antigas

quero malbecs hermanos nas ilhas dos zíngaros, imantados
drops de abril recitados e a voz de billie ecoando no inverno

andar por aí, por lá e cá, ora, ora
há milênios e milênios que ali sangra
na lembrança inconclusa de todo verso alexandrino

por que?
porque preciso de você no escurecer do dia
preciso de você no escurecer do dia

ou o que nunca foi tempo reinará
ou o que é para ser amanhã
nunca será.


Rancho das Aldeias, Casa dos Versos, Janeiro, 14

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