sábado, 19 de janeiro de 2019

O chão das guimbas

ESFINGE


deixas o olhar 
como dor inacabada
ponto e nó da incerteza
do que seja minuto ou morte

mente no que for pedra
rega em rabisco de faca

abres as rimas fêmeas por bardos mudos 
na inquietude do que é sol entre persianas

beijas asfalto
velhos tijolos

e por que me vens com pobres canções para marionetes? 

unhas armadas
carne mordida

deixas..

apenas a esfinge
de guimbas nuas e frias

e no vinco das amoras 
a vaga pintura


Ilheus, outubro de 2015
© antonio pastori
arte: A Esfinge de Açúcar (Salvador Dali, 1933)

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

De Baús Velhos


PARTO DE ADEUS


a sala vazia aquieta o corpo 
e a mordida do lábio.

nada impede aos dedos 
acalentarem contornos no vazio.

venta.

catas os nomes e o que dizer
o tempo escorrido no que deixar

e poder já não importa

o imã das perdas
penduras entre as boinas

o mar dos silêncios
é poema de escuro

é parto de adeus
feixe de baú velho  

e o amor está crivado de balas nas adolescências
e o amor avança o sinal de volantes desgovernados
e o amor  é sem cama em coma na mancha sem manual

o amor é massa
o amor é mossa 

e atrás da porta
no meio da boca
nos vincos da testa 

a espera é dor

e venta.

salvador, 04 de novembro de 2014
© antonio pastori
Arte: a Gust of Wind 1886-87 ©Judith Gautier

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Dias descem de estrelas


A CRIA DOS VAGÕES SEM JAZZ


tarde és e vês que andas e relembras ante a persianas banguelas
é dezembro ao longo do descampado de areia, chumbo e vidraça,  

eu espalho lápis na inquietude dos risos
por esconder aquarela à sanha de nimbus
por amealhar culpa no querer dos tinteiros

onde vais sei que danças e danças arteira
e boêmios no cio da cidade eriçam insônias

onde corres ofegante vi que mal anoiteces
e já nem sei mais sobre ponteiros e relógios
porque apenas te espero na soleira dos mundos

e assim
monet puxa mato
hiato beija minuto

dia desce de estrela
cria sempre nasce crua

por me fazer voltar
por te espraiar demais

poetas são párias à toa
silêncio só fecha janela

dezembro já vai vês que ainda choras e andas ante a balaustrada

tarde és para vultos à beira
tarde és no vagão sem jazz

e mãos se atracam por ilhas de folhas e rugas
dessas estradilhas nervosas das águas
escolhem adeus entre as tralhas de agora

porque se tarde és
sabes bem onde vi a manhã
e mal advinhas onde troveja.


Dezembro, 14
© antonio pastori
arte: Gare Saint Lazare Station (Claude Monet, 1877)

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Amanhos de setembros




tatografia



percorrem meu corpo
em conquistas

adentram meus rios
em miríades

possuem minhas fraquezas
em arranhos

delimitam minha alma 
em fronteiras

acariciam meu sexo
em domínios

e alimentam a sedução
de quem se permite às mãos
sem algemas.

foto: Antonio Pastori


sábado, 6 de maio de 2017

Boinas inflamáveis


QUENTURAS 

(ouvindo l’etranger)


olha 

é coito de bala à beira da chama
ao ventre do beco de um frêmito

ilha 

serpente de pedra e vidro
arrima aponta desapruma
assalta algelma desprega

centelha

e respiro é cais sem abrigo
ribanceira cumeeira abismo

fornalha

amares palavras vulcões
cantares recôncavos nus

desterros

aldeias por lupas e garras
matares a dor da iluminura

olha

lábio de bela à beira da lua
ao vinco do peito um berro

quenturas. 

outono de 2017
© antonio pastori
arte: Zippo Lit, Marguerite Chadwick

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Dos boinas livres II


BRINCANDO DE DEUS

O músico de
multiplasmas sorrisos
convida novembros
para toda anarquia
o cantor divagabundo
camufla estrelas
nas notas vagas
de violão e tequila
o poeta
fotografista
cata angústias
nas caras felizes
e a mulher
de sublábios pequenos
só queria
uma noite apenas
outono de 2001
© antonio pastori
arte: street art appareil photo

sábado, 25 de março de 2017

Dos oceanos noturnos


ENTRE O CAIS E A VENTANIA

São vertigens de sapatilhas
e oceanos noturnos em fuga
no cais da menina que dança


tem a fita
o parapeito
lumes vagos

e o adeus de uma canção.

instintos
uma canção sem vitrola

ela também rodopia
e faz vagar os mantras
da finitude
das solidões

um canção sem ouvidos nem línguas
uma canção só de olhos e mãos

um aceno
uma lágrima

são vertigens de boina e lutos
e desertos solares em silêncios
na crina da menina que dança

e o adeus de uma canção vem.

por ventanias
ou do que a borda das esperas
abandona 
março, 17
© antonio pastori
arte: Noyée - 1895, Jakub Schikaneder (1855-1924)